
Como tudo começou
Meu nome é Debora Fonseca Martins, tenho 24 anos e moro na cidade de Jacobina- Bahia. Sou filha de Maria Conceição da Fonseca Martins e Antonio Oliveira Martins. Minha família é bem grande, por parte de mãe sou a mais velha e por parte de pai sou a caçula de nove filhos. Esse memorial foi solicitado pela professora Ana Lúcia Gomes, como parte avaliativa da disciplina Estágio I do V semestre de Letras Vernáculas. Nasci em Camaçari, porém não morei muito tempo por lá. Tenho dificuldade em dizer de onde sou porque já mudei algumas vezes e na verdade não me sinto totalmente integrante de algum lugar como quem nasce e cresce em uma comunidade. Apesar de gostar da cidade onde moro, tenho sede de conhecer outros lugares, o mundo é o meu lugar. Não que eu tenha vontade de continuar me mudando e morando em lugares diferentes, mas partir de onde moro para conhecer lugares diversos é um sonho que pretendo em breve realizar.
Minha relação com a escola iniciou-se muito cedo. Desde pequena, apresentei interesse pelo ambiente escolar, pelas letras e pelos livros. Aos 3 anos de idade, notando a minha afinidade com esse universo, minha mãe resolveu me matricular na escola de uma amiga, Maria Aparecida ou Pró Cida, como a chamei e chamo até hoje. A simpatia que desenvolvemos com nossa primeira professora é realmente incrível, já faz 21 anos desde que fui sua aluna, no entanto, apesar de lembrar pouquíssimo dessa fase, pois ainda era bem pequena, ela não deixou de ser a minha pró. Paralelo a esse momento, quando eu visitava os meus avós no povoado Brejo Grande na cidade de Miguel Calmon, as crianças vizinhas, matriculadas na escola municipal da comunidade me levavam para a escola, pois todos sabiam da minha curiosidade e vontade de estar naquele lugar. Mesmo não tendo idade para estar matriculada, todos me recebiam ali como se eu fizesse parte dela. Dessa escola não tenho recordações de nenhum dos docentes, creio que por não ser frequentante assídua, pois morava em Jacobina, portanto não havia um vínculo maior com os professores que ali lecionavam.
Em junho de 1998, visando novas oportunidades, meus pais resolveram que deveríamos partir para São Paulo, então seguimos para uma cidade do interior, Várzea Paulista, e cheia de saudades deixei meus parentes, minha pró e as escolas que eu conhecia tão bem. Devidamente instalados, lembro com saudades do encanto dos meus vizinhos ao perceberem minha desenvoltura com as palavras, eles pediam para que eu lesse, soletrasse e escrevesse, atividades que para mim eram prazerosas e eles achavam interessante que uma criança da minha idade, então com 5 anos, fosse alfabetizada. Curioso que hoje já não é incomum que crianças nessa idade saibam ler e escrever. Atualmente, os pais têm interesse que seus filhos estejam na escola cada vez mais cedo, infelizmente muitas vezes não por respeito à fase da criança, mas para que eles mesmos se sintam realizados em cumprir uma exigência moderna.
Nesse tempo, a escola pública só recebia crianças com cinco anos que fariam aniversário no primeiro semestre do ano, portanto, eu não tinha idade suficiente, visto que só faço aniversário em setembro. No entanto, a patroa da minha mãe era amiga da diretora da escola e as duas acordaram que, se eu provasse ser alfabetizada, escrevendo um texto, poderia ingressar na escola. Fiz a minha “prova” e assim fui matriculada oficialmente na 1ª série do Ensino Fundamental.
Estudante oficial
Enfim iniciei oficialmente os meus estudos. Lembro que foi complicado para mim porque tudo era novo. Apesar de estar acostumada com o ambiente escolar, tínhamos mudado recentemente, estava longe daquele lugar que era tão familiar. Porém, aos poucos fui me adaptando e o meu encanto pelos estudos crescia junto comigo, bem como o meu interesse pela literatura. A influência materna durante os meus estudos sempre foi importante, apesar de ter estudado pouco, por empecilhos da vida, minha mãe sempre foi apaixonada pela busca do conhecimento. Ela sempre que podia comprava livros e apesar de muitas vezes não poder estar na escola, estava sempre preocupada com minha disciplina na realização das tarefas, analisando meu caderno, questionando, isso sem dúvida auxiliou na construção de minha identidade discente.
Tenho ótimas lembranças do Ensino Fundamental I, tive muitos professores marcantes e amizades que nunca foram desfeitas. Essa sem dúvida foi a minha melhor fase enquanto estudante. Lembro com muita saudade de todos os meus colegas e das professoras com quem eu mais me identificava. As matérias de história, matemática e português sempre foram as minhas preferidas, mas eu nunca dizia que seria professora, já quis ser tantas coisas: médica, advogada, psicóloga e por fim parei no curso de Letras, mas explicarei isso mais adiante. Tenho com muito carinho uma medalha adquirida na 4ª série como prêmio de melhor redação, texto que fiz para o Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD). Infelizmente não tenho o texto, com tantas mudanças muita coisa foi perdida, mas as fotos ficaram e foi divertido ter a família e as amigas vibrando comigo essa conquista.
Estudei o Ensino Fundamental II em outra escola, pois nos mudamos de bairro e ficaria muito longe para frequentar a mesma. Desse tempo também tenho ótimas recordações, as melhores são das minhas visitas à biblioteca da cidade, ela era enorme e eu amava aquele universo. A Literatura havia definitivamente me conquistado por completo e a cada leitura meus gostos se delineavam, até que cheguei aos meu tipos queridinhos: romance, autobiografia e histórias do período da segunda guerra mundial. Eu confesso que era um pouco precoce, às vezes fazia leituras avançadas para mim, as autobiográficas, e essa era minha travessura, escondia o livro debaixo do travesseiro para minha mãe não me proibir de ler aquele gênero, nunca cheguei a contar a ela e espero que você leitor seja meu cúmplice e guarde esse segredo que agora é nosso. Foi nessa época também que me encantei por Machado de Assis e ele é de longe meu escritor brasileiro preferido. Fiz amizades duradouras nesse período também e gosto muito das redes sociais por me permitir contato com as amigas desse tempo.
Com mais uma mudança de bairro, fiz parte do Ensino Médio em outra escola, esse período é o que considero menos produtivo na minha carreira estudantil, pois foi quando mais nos mudamos e meus estudos ficaram muito fragmentados. Estudei parte do primeiro ano na mesma cidade, mas em 2008 voltamos para Jacobina e frequentei duas escolas diferentes. Os assuntos aqui também estavam atrasados em relação à escola anterior e eu demorei um pouco para focar nos vestibulares e ENEM. Por fim fiquei até o final do Ensino Médio na Escola Municipal Doutor Cesar Augusto Rabello Borges, em Caatinga do Moura. No último ano me destaquei em duas atividades realizadas pela escola: uma delas era uma paródia que fiz juntamente com minha tia Lucilene, resultante de uma gincana interdisciplinar, o tema era a preservação do meio ambiente e a outra foi uma redação de um curso preparatório que fizemos para o ENEM, nesse ganhei um pen drive. Mas não pense você leitor que sou uma dominadora da escrita, essa é uma arte que eu admiro muito, mas nunca me aventurei por ela de maneira mais profunda, nem sequer ousei aventurar outros gêneros que não fossem os acadêmicos. Gosto mesmo é de apreciar outras escritas e crescer com elas.
Uma tentativa frustrada
Em 2009 fiz o ENEM, mas não alcancei pontuação suficiente para cursar nenhuma faculdade da cidade. Morar sozinha em outro município estava fora de cogitação, pois meus pais não teriam condições de me sustentar. Consegui um emprego no centro da cidade e vim morar na área urbana de Jacobina, com a intenção de trabalhar durante o dia e estudar à noite. Frequentei um curso preparatório no Colégio Municipal Gilberto Dias de Miranda e passei na primeira turma de informática do curso técnico de informática do IFBA. Porém, só cursei três semestres e abandonei, por não ter tido nenhuma afinidade com o que estava fazendo. O curso era voltado para a programação de sistemas e estava totalmente fora do que eu realmente gostava e depois de uma conversa com um dos professores, dei finalidade a uma ideia que já estava presente e deixei o curso. Decidi fazer direito, porém não queria ficar esperando mais tempo para me preparar para o curso, então prestei vestibular e fiz novamente o ENEM em 2011 e esperei para ver o que aconteceria.
Viva! Estou na faculdade!
Grande foi a minha surpresa quando soube que passei em dois cursos, pelo PROUNI passei em administração na UNOPAR e logo depois em Letras Vernáculas pelo SISU. Optei por fazer Letras porque já tinha afinidade com Literatura e imaginei que durante o curso teria um aprofundamento teórico nessa área, o que realmente tem acontecido. Não foi o curso que eu queria, mas até hoje tenho dúvidas e sempre terei se eu realmente me identificaria com a área judicial, gosto muito de Literatura para acreditar que me sentiria tão bem fazendo outra coisa.
Ser professora não é a minha primeira opção, eu pretendo passar em um concurso federal, minha segunda opção é lecionar. Há alguns motivos para a minha decisão e não é por não gostar da profissão que não pretendo seguir outro caminho. É uma das atividades mais lindas que se pode exercer, é nobre e bela, porém, não vivemos em um país onde o professor é reconhecido e respeitado. Outra questão que me desmotiva é o fato de a escola estar recebendo a carga de não só alfabetizar o aluno, mas educá-lo, dar afeto e ensiná-lo as coisas básicas que teoricamente aprendemos em casa. Una uma coisa à outra e você terá milhares professores que educam sem compromisso, que estão adoecendo e que não estão satisfeitos com a sua área. Infelizmente, não tem sido atraente dedicar a sua vida para ser desprezado pelo sistema. Confesso que é triste estar em um curso e admitir que não quero seguir carreira, porém, se eu tiver a honra de estar na condição de professora futuramente, me proponho a realizar com esmero e dedicação.
Minha família e eu ficamos muitos felizes com mais essa conquista. Do lado materno, sou a segunda a ingressar na faculdade e todos estão orgulhosos. Sou muito grata a Deus por ter uma família que me apóia e um namorado que é um verdadeiro companheiro. Há fases na vida que só conseguimos vencer por causa do amor daqueles que nos rodeiam. Não tem sido uma caminhada fácil e por isso mesmo tem muito valor para mim. Atualmente moro com meu irmão mais novo, meus pais moram no povoado de Jenipapo e ser dona de casa, estudante e trabalhadora é uma tarefa árdua, porém recompensadora, cada semestre é uma conquista comemorada com muita alegria. Recentemente fiquei muito feliz por encontrar o meu tema de TCC, realmente achei que demoraria a me decidir, vou pesquisar a traição feminina em dois contos de Machado de Assis: “A Cartomante” e “Uns braços”.
Mas voltando ao momento atual e à disciplina que me levou a escrever esse memorial, estamos no V semestre, Estágio I e eu estava muito apreensiva com o componente. Adentrar uma sala de aula como observadora não é nada fácil, afinal de contas, sobre nada que direcionamos o nosso olhar, fazemos sem juízo de valor. Não tem como ser imparcial, principalmente nesse caso, eu estudo licenciatura em Letras Vernáculas, tenho lido teóricos e discutido sobre assuntos que envolvem a linguagem e a docência. Porém, devemos ter a sabedoria de olhar o outro na intenção de aprender com ele, refletir sobre nós mesmos e repensar os nossos conceitos como ser crítico e social, é uma linha muito tênue. No primeiro dia de observação saí da escola arrasada, eu não queria estar naquela posição, não queria olhar a atitude de alguém, mas era necessário e eu precisava enfrentar. Com o passar do dias, fui me adaptando e comparando as aulas com as teorias e discussões que havíamos feito em sala. Os melhores momentos dessa observação foi perceber que apesar de toda a conversa que ouvimos de que na teoria a prática é outra, notei com prazer que existem docentes que aliam a teoria à prática e a aula se torna tão prazerosa, leve e produtiva. Infelizmente também observei momentos que me deixaram desanimada, mas serviram como alerta para que quando cheguar o momento de minha atuação, esteja sensível a tudo que possa ocorrer na sala de aula.
Algumas previsões e conclusões
Querido leitor, espero que você tenha gostado da minha simples história. Não é digna de um best-seller, mas é o resumo de uma história real. Espero que sirva para que você, assim como eu, reflita sobre a sua prática, seja ela qual for. Não há uma só conclusão de uma vida, pois somos seres em construção e só a morte finaliza a passagem por esse mundo. Enquanto estivermos nele, viveremos frustrações, crescimentos, vitórias e o importante é utilizar essa sabedoria para transformar a nós mesmos antes de interferir sobre o outro.
Desejo que a sede de menina pelos livros, pelas letras e pelos estudos jamais acabe. Quero ser uma eterna estudante, ver o mundo através da Literatura e nunca deixar de acreditar no ser humano nem nas possibilidades de vitória. Ainda faltam três semestres para terminar o curso e sei que tenho tanto para aprender, mal posso esperar para receber o meu diploma e concluir mais uma etapa. Mas enquanto esse momento não chega, viverei cada momento, cada experiência e as amizades conquistadas.
